

Jacó, após sua luta com um emissário de Deus no riacho Jaboque, declarou, cheio de medo:
-- Eu vi Deus face a face e a minha vida foi preservada (Gênesis 32.30).
Foi algo excepcional na vida do neto de Abraão, embora fosse algo integrante do cotidiano de Moisés, com quem o Senhor conversava face a face, como qualquer [pessoa] fala com o seu amigo (Êxodo 33.11).
Por seu intermédio, Deus falava com o povo também face a face (Deuteronômio 5.4).
Depois, isto nunca mais aconteceu nestes termos (Deuteronômio 34.10).
No entanto, ao longo da história do povo de Israel, Deus apareceu aos seus filhos de outras formas; uma delas, recorrente na experiência hebraica, era por meio de anjos. Aconteceu com Gideão, que diante de um desses emissários divinos de paz, temeu e tremeu:
-- Ai de mim, Senhor Deus! pois eu vi o anjo do Senhor face a face (Juízes 6.22, 23).
Isto tem levado alguns autores a propor um desaparecimento de Deus. Na visão destes autores, aos poucos Deus vai saindo do cenário deixando os homens à mingua de sua presença e da sua atuação.
Esses autores ignoram o Novo Testamento, que é a história da encarnação, ou, em outros termos, a história de Deus se tornando carne e osso.
Na segunda parte da Bíblia, que registra o pacto da graça, Ele não manda profetas e anjos. Ele vem diretamente e pessoalmente. Simeão talvez tenha sido o primeiro homem na história a perceber o novo método de Deus. "Eu vi a salvação", disse ele, como se dissesse.
Meus olhos brilharam ao ver
o meu Deus face a face,
eis que entre nós nasce
Aquele que nos permitirá viver pela fé.
No Novo Testamento, inúmeras pessoas puderam ver Deus face a face, em carne e osso, ao conviverem com Jesus Cristo. Quem o via via Deus, como Ele mesmo o declarou (João 14.9). Paulo também se encontrou com o Salvador, vendo dEle o resplender de sua presença gloriosa.
Assim mesmo, sentimos uma certeza nostalgia dos tempos em que Deus aparecia face a face aos seus filhos, como fazia com Adão e Eva no finalzinho da tarde (Gênesis 3.8)!
Um poeta bíblico registrou essa nossa saudade, ao escrever:
Como o cervo anseia pelas correntes das águas,
assim a minha alma anseia por ti, o Deus!
A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo.
Quando entrarei e verei a face de Deus?
(Salmo 42.1,2)
3. O DEUS QUE AINDA PODE SER VISTO FACE A FACE
Como Jacó, Moisés, Gideão, Simeão e Paulo, nós podemos ver Deus face a face. Nós devemos ansiar por esta presença face a face.
Nós devemos ter sede da face de Deus.
3.1. A visão da salvação
Ver Deus face a face é ter um encontro inaugural para a salvação. Quando nos encontramos com o Deus Salvador, em Jesus Cristo, o Emanuel, nós podemos ter outros encontros com Ele.
Simeão viu a Salvação (isto é, o Salvador) face a face. Ele viu Deus face a face e foi salvo.
Muitos outros, ao seu tempo e ao longo da história, têm tido oportunidade de ver Deus face a face, mas não têm sido salvos. É deste encontro que todos os homens (e mulheres) precisam.
Este é um encontro pessoal e intransferível.
Ninguém pode tê-lo conosco. Amigos e parentes podem nos levar a este encontro, mas o encontro é nosso. Os que já O encontraram têm o dever de encaminhar outros a Ele. No entanto, cada um faz a sua escolha diante dEle, aceitando a sua proposta de paz ou recusando-a. Jesus era um Deus de carne e osso e aqueles para quem veio o mataram.
Um dos problemas do Cristianismo é que há muitos que se acham cristãos porque seus amigos ou parentes o são. O parentesco com um salvo não salva; só o encontro com Jesus face a face.
Moisés advertiu seu povo diante desta mesma tendência, ao dizer: Não foi com nossos pais que o Senhor fez esse pacto, mas conosco, sim, com todos nós que hoje estamos aqui vivos (Deuteronômio 5.3).
A participação do seu pai no pacto com Deus não o inclui O fato de seu pai (ou sua mãe) ou seu avô (ou sua avó) ser um cristão pode lhe trazer uma boa formação, mas não põe seu nome no Livro da Vida. O fato de você participar de uma igreja lhe põe às portas da salvação, mas não o torna um salvo. O que faz de você um cristão é ter um encontro pessoal, face a face, com o Salvador.
3.2. Uma visão de paz
Há muitas pessoas que têm medo de encontrar o Salvador e fogem dEle. Saulo de Tarso era um destes. Seu medo levou-o ao ódio daqueles que seguiam a Cristo e este ódio o levou a perseguir os cristãos. No entanto, ele não perseguia os cristãos, mas ao Senhor deles, que lhe perguntou:
-- Saulo! Saulo! Por que me persegues? (Atos 9.4)
Saulo, logo então chamado Paulo, experimentou como é duro cair nas mãos do Deus vivo (Hb 10.31), que o derrubou do animal em que viajava e o tornou cego por um determinado tempo.
Não era à toa que o próprio povo de Israel tinha medo deste encontro. Moisés subiu sozinho para o grande encontro, porque as pessoas tiveram medo por causa do fogo e não subiram ao monte (Deuteronômio 5.5). A exemplo de inúmeros hebreus, Gideão experimentou a mesma coisa e temeu morrer ao ver o anjo do Deus vivo (Juízes 6.23). Foi por este tipo de experiência que os anjos que apareceram aos pastores se apressaram em dizer que traziam notícias de alegria e paz, não de tristeza e medo (Lucas 2.10).
Assim temerosos, muitos preferem seguir Jesus à distância. Eles ficam àquela distância cômoda que lhes permita não perder o contato e não ser visto, como se isso fosse possível. Até frequentam os cultos, sozinhos ou acompanhando alguém da sua família, chegando alguns a serem até simpáticos, mas se posicionam estrategicamente de modo a não encontrarem Jesus cara a cara.
Não é preciso ter medo, pois do encontro resulta paz. Jesus veio para nos trazer a paz e Ele quer encontrar aqueles que não a têm para oferecê-la. O que Paulo perdeu, ao se encontrar face a face com o Salvador? Nada.
Ele percebeu que sua vida não tinha sentido, uma vez que perseguia o Autor da vida. Ele dedicou a sua vida ao Consumador da Fé e seus textos irradiam paz, felicidade, prazer, alegria, mesmo quando enfrentou dificuldades.
Não há, pois, o que temer, exceto o compromisso com Ele. Aqui, também, é preciso lembrar que os compromissos solicitados por Cristo dão frutos para o nosso próprio bem, porque não há bem que possamos fazer ao Único que é Bom, Perfeito e Absoluto. Tudo o que Ele nos pede é para o louvor da sua glória e para a felicidade daqueles (nós) que criou.
Não há por que termos medo do encontro.
Nosso medo deveria ser não encontrá-lo, mas esta possibilidade não existe porque Ele já veio ao nosso encontro. Só a morte nos impedirá de ter este encontro de paz com Ele, uma vez que o encontro que salva deve acontecer aqui, enquanto estamos vivos.
4. O DEUS CUJA GLÓRIA É MANIFESTAÇÃO CLARA E TAMBÉM ENIGMÁTICA
A palavra que melhor define a presença de Deus é "glória", que aparece cerca de 250 vezes na Bíblia.
4.1. O resplendor da glória
No Antigo Testamento, o ponto mais elevado desta glória divina foi a nuvem que guiou o povo de Israel pelo deserto, sob a forma de uma coluna fumaça de dia e coluna de fogo à noite. No Novo Testamento, o ponto mais sublime desta glória foi a vinda do Filho de Deus como a glória do unigênito do Pai (João 1.14), glória que tinha com Ele antes que o mundo existisse. (João 17.5) Por esta razão, os autores apostólicos chamam Jesus, entre outros títulos, de Senhor da glória (1Coríntios 2.8 e Tiago 2.1). Cristo é o resplendor da glória [de Deus] e a expressa imagem do seu Ser, pelo que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder (Hebreus 1.3).
Jesus Cristo é a glória de Deus entre nós, glória que pode ser sinonimizada como luz, beleza, graça, manifestação, plenitude, totalidade, majestade e poder. Nós vivemos o tempo da glória de Deus. Quando celebraram o nascimento de Jesus, os anjos cantaram-no como a glória de Deus nas alturas (Lucas 2.14).
4.2. O enigma da glória
Olhando, no entanto, para as nossas vidas, podemos nos perguntar sobre a atualidade desta glória. De certo modo, vivemos o tempo do Icabôde.
Esta palavra remonta ao período dos juízes de Israel. A glória de Deus era tipificada pela presença da Arca da Aliança. Num momento trágico da história daquele povo, a Arca foi sequestrada pelos inimigos. Neste ínterim, nasceu o neto do sacerdote e juiz Eli. A mãe do bebê lhe pôs o emblemático nome de Icabôde (que literalmente quer dizer: "onde a glória do Senhor"?), dizendo: De Israel se foi a glória, pois foi tomada a arca de Deus
(1Samuel 4.22).
1. Icabôde é a perda da alegria da salvação.
Quando a viúva de Finéias teve o seu filho Icabôde, ela o recebeu sem manifestar qualquer sentimento de alegria. De certo modo, foi como se rejeitasse o filho pelas circunstâncias de sua chegada.
Por isto, devemos pensar no encontro inaugural da salvação como uma de cada dia.
Há muitos cristãos que tiveram este encontro, como Simeão teve, mas que permitiram que ele se tornasse uma lembrança distante, não uma usina de energia para a vida.
Há uma discussão interminável (e pouco útil) se um crente pode perder a salvação, quando o mais significativo é observar que, se não podemos perder a salvação, podemos perder a sua alegria. Muitos cristãos a perderam. Não tê-la é, na prática, o mesmo que perdê-la. Todos devemos pensar nisso: não se perde a salvação, mas se perde a sua alegria, o que em termos existenciais presentes é a mesma coisa. Quem viu a salvação face a face deve continuar a vê-la. A oração de quem perdeu esta dinâmica deve ser a mesma do poeta bíblico: Restitui-me a alegria da tua salvação (Salmo 51.12).
Lembre-se de onde caiu da alegria da salvação (Apocalipse 2.5).
Pode ser que simplesmente você tenha se descuidado de Deus, deixando os assuntos dEle pouco a pouco para um segundo plano.
Em lugar de operar diariamente a sua salvação, como recomenda Paulo, você a foi relegando para a história de sua vida, como algo para seus eventuais possíveis biógrafos, nunca como algo a mover o seu dia a dia.
Pode ser que uma experiência de claro pecado lhe tenha sido tão prazerosa que você preferiu ficar nela. Pode até ser que tenha largado o erro, mas sem nunca refletir sobre o que fez e pedir dramaticamente perdão a Deus.
Pode ser que Deus lhe tenha feito tanto que você o tornou banal. A experiência da graça levou-o a esquecer o fato que Ele também é tremendo, poderoso, gracioso, sério, rigoroso. Você o banalizou tanto, como se fosse um Papai Noel, que pouco lhe signifique.
Pode ser que tenham lhe prometido tanto, que Deus lhe faria isto ou aquilo, que você "comprou" um deus que não existe e quando precisou daquele tipo de Deus, ele não atendeu você, você se decepcionou e perdeu o rumo ou continua tentando que esse deus lhe apareça.
Pode ser que o convívio com os irmãos da igreja o tenha afastado de Deus, ao se defrontar com tanta hipocrisia e tanta falta de amor prático precisamente entre aqueles que pregam a sinceridade e o interesse desinteressado uns pelos outros.
Você pode ter todos os motivos do mundo para não ter a alegria da salvação, mas salvação sem alegria não vale a pena. Ore, gemendo, como o salmista: Oh! Senhor! Quero minha alegria de volta.
Se você se descuidou de Deus, leve-O a sério, louvando-o, orando a Ele, lendo a Sua Palavra, procurando viver para o louvor da sua glória.
Se você se desconectou por causa do pecado, arrependa-se e se agarre ao perdão, o único que lhe pode fazer voltar a viver de modo livre e em paz. Se você já pediu perdão, saiba que Jesus já o enterrou no fundo do mar. Não permita que seu pecado no passado assombre seu presente.
Se você tem feito de Deus um deus, acerte suas contas com o Absoluto, Glorioso, Magnífico e Totalmente Outro.
Se você "comprou" um deus errado, lance-se nos braços do Deus vivo e verdadeiro. Vale a pena descobrir o Deus que fez, faz e fará diferença.
Se você está decepcionado com algum irmão, lembre-se que você também falha e olhe tão somente para Aquele que é Absolutamente Perfeito e Absolutamente Fiel. Mire-se no Seu espelho e prossiga em direção à perfeição possível aos seres humanos. É isto que lhe fará feliz.
2. Icabôde é a perda da dimensão da esperança
A mãe de Icabôde, diante da Arca tomada, não viu Deus agindo no presente, e até podia ter razão, nem Deus agindo no futuro, no que não tinha nenhuma razão.
Simeão agiu diferente: ele viu um bebezinho que ainda não era a salvação, mas o viu como a salvação. O plano de Deus por intermédio de Jesus ainda não fora dado ao conhecimento de todos. Nem Maria, sua mãe, tinha clareza acerca da missão do seu filho. O menino ainda não tinha idade para saber que era Filho de Deus.
Simeão viu em esperança a salvação, dele e do seu povo, chegando. Jesus era a salvação, que ainda não se tornara concreta. De igual modo, a glória de Deus se tornou completa em Jesus Cristo, mas não apagou completamente as sombras de nossas vidas. Elas não nos regem, mas nos acompanham. Estamos parcialmente limitados pelos poderes das sombras. Experimentamos isso quando oramos e não vemos a resposta. Experimentamos isso quando, por mais que lutemos contra, o pecado ainda comanda momentos de nossas vidas. Experimentamos isso quando não conseguimos realizar os propósitos de Deus para nós. O maior dos enigmas é a experiência do sofrimento, contemporâneo à presença de Deus conosco.
A glória de Deus está dada, mas nós a vemos, sentimos e experimentamos como por espelho, em enigma, como ensina o apóstolo Paulo. Nós agora conhecemos em parte. Nossas condições biológicas, sociais e espirituais impedimos que vejamos a glória de Deus de modo completo. Podemos romper esta limitação vivendo a certeza que um dia a veremos face a face, conheceremos plenamente e plenamente seremos conhecidos (1Co 13.12).
Quando perdemos a dimensão da esperança, de que a história do Natal é uma recordação, chegamos a nos achamos vivendo o tempo do Icabôde, mas este não é o nosso tempo. O nosso templo é a certeza, como sentimento, da presença de Deus, que experimentamos no plano interior de modo real e no plano exterior de modo misterioso.
Quando olhamos para nós mesmos, podemos ter esta certeza: da companhia de Deus.
Quando olhamos para o que nos circunda, podemos também ver Deus mas forma a forma do mistério. O Icabôde pode parecer uma realidade, mas a verdadeira realidade é a glória de Deus.
Essa glória pode e deve ser percebida de forma crescente, na relação com Ele e na dispensação do Seu amor para com os outros.
A este propósito, Frei Betto conta uma passagem da sua vida. Quando criança, ele tinha o sonho de ver Deus. Um dia, sua mãe o levou a um hospital pediátrico, onde distribuíram "alegria e chocolate às crianças, vítimas de traumas ou tomadas pelo câncer e por outras enfermidades". Na saída, sua mãe lhe perguntou:
-- Gostou de ver Deus?
O menino Betto respondeu:
-- Só vi crianças doentes.
"Então, ela me ensinou que a fé cristã reconhece que todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus".
Para aqueles para quem a vida é um Icabôde, nós podemos ser faróis da glória de Deus.
Esses faróis iluminam primeiramente a nós mesmos. Talvez você esteja no Icabôde precisamente porque não faça nada por aqueles por quem Jesus Cristo viveu, morreu e ressuscitou.
5. CONCLUSÃO
Quem diz que Deus desapareceu não só ignora o Antigo Testamento, como o Novo e também as nossas próprias vidas.
Deus está no apogeu da sua presença. Nós é que temos dificuldade de percebê-la. Por isto, nossa oração é que o Espírito Santo nos capacita para ver a glória do Pai, aquela glória que se revelou de modo total em Jesus Cristo.
Não devemos ter medo de ver Deus face a face.
1. INTRODUÇÃO
Simeão agradeceu a Deus por ter visto a salvação. Ele viu o Salvador. Ver o Senhor é o desejo de todos os homens. Há muitos que se recusam a crer nEle enquanto Ele não lhes aparecer fisicamente. Simeão teve este privilégio, ao ver um bebezinho de oito dias.
Todos os cristãos também querem ver Deus de carne e osso, como se Ele tivesse carne e o osso. Até mesmo não cristãos justificam sua incredulidade em Deus por O não ter visto e alguns chegam a prometer que crerão se Ele lhes aparecer face a face.
2. O DEUS QUE APARECE
O Antigo Testamento, tão Palavra de Deus, quanto o Novo, registra inúmeros encontros entre pessoas de carne e osso como nós e um Deus que é Espírito.

Cara a Cara - COM DEUS
